terça-feira, 23 de julho de 2013

2 de Abril, ou Voyeur de sonhos

Te observar dormir é meu último refúgio
de poesia (pessoa) cansada.
É o momento de verdadeira inveja de ti:
estar sob a tua fronte relaxada e tranquila
de silêncio sem sonhos.
Mas um raio te contrai os dedos,
e revela a existência por detrás da neblina.
Não existe paz real:
não dormes, e eu acordo.

Folhas voando por sobre a cabeça,
pensamento rápido de relâmpago,
confusão de línguas.
A feira dos objetos diversos
atrás dos olhos, dentro dos ouvidos.
Queria voltar, não podia.
- Nunca é fácil voltar atrás.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Placas



Em cada olhar e em tantos dos teus sorrisos, uma placa de retorno. E na tua frente eu, que sempre hesito mas preciso seguir adiante; suspeito que as placas estão ali pra me ludibriar e na verdade escondem o segredo maior,  âmago do teu mistério. 


Logo tu, que ao primeiro olhar é tão fácil de ler, me assusta. Não sei o que vou encontrar, e temo que seja bom. Talvez eu não saiba mais lidar com o que é bom e simples, e de alguma forma acabe quebrando toda a paz e aventura que me prometes a cada vez que me olha. Medo de ter me tornado uma espécie de Midas ao contrário, e que tudo o que toque se degenere rapidamente em minhas mãos.

Mas enquanto não entendo o pavor e a delícia que sinto ao te olhar, percebo que quero descobrir tudo ao teu respeito; quero viver qualquer coisa que nós fizermos acontecer. E quem sabe até lá não subverta as placas, e perca de vez qualquer possibilidade de achar o bendito caminho de volta...

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Leve desespero



Abriu os olhos, e junto veio o sentimento velho conhecido seu: a aflição por todos os objetos estarem fora do lugar; livros no chão, roupas na cama, folhas do caderno oscilando ao sabor do vento. Estava tudo errado, pensou. E mal podia organizar as ideias naquele lugar. Precisava arrumar tudo. Para que coisas boas acontecessem tudo deveria estar arrumado. Mas por onde começar?

Os móveis caídos no chão clamavam por uma intervenção, mas também o faziam os lençóis sujos sobre a cama e os insetos que haviam tornado a cozinha um novo ecossistema. Tudo aquilo que era necessário fazer a esmagava, e ela percebeu que mesmo após a limpeza o desassossego permaneceria; continuaria a subir por suas pernas aquela sensação de que havia algo muito errado. Sentia as panturrilhas geladas, como se uma geléia fosse sendo derramada e subisse pela carne lentamente, retesando todos os músculos.

Continuaria se sentindo perdida e suja mesmo que habitasse um castelo; mesmo que o piso limpíssimo refletisse o brilho de suas pupilas. De fato, pensando assim, se sentia melhor pertencendo a esse casebre sujo e não a um castelo resplandecente; toda a degradação externa abafava o caos que ela sentia por dentro.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Sutil e doce

Manhã cedo, corredor lotado, sentidos dominados pelo sono.

Música alta, conversas sussurradas, gargalhadas, colônia forte jogada sobre os corpos. Sutil, um aroma se destacou entre as notas mais agudas dos perfumes. Sutil e doce… Artificial e doce. As imagens vieram logo, todas juntas e cheias de cor e luz.

Revivi.  Um take fechado de tuas costas nuas, cobertas apenas pelos desenhos inusitados de tintas vivas; as cores do teu universo preenchendo o quarto de paredes brancas. Fechei os olhos e ouvi mais uma vez a música nova que me fazia vibrar como só o fazem as minhas preferidas; nossas conversas e silêncios dominando todos os meus sentidos.

No fim daquela tarde as paredes brancas do teu quarto se tingiram de vermelho e amarelo refletindo teus cabelos e o pôr do sol, e um aroma lilás se destacava entre todos outros. Sutil e doce… Artificial e doce.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Coceira

I got scratches, all over my arms
One for each day, since I fell apart
(Footsteps – Pearl Jam)



Tenho essa insistência irritante com as minhas feridas.

Perturbo cascas, arranho projetos de cicatrizes inconscientemente, movimento automático de dedos e unhas. Quando vi já interrompi mais um processo; mais uma feia marca no rosto.

O que leva ao desassossego é que não compreendo. Como se sentisse falta do incômodo, da adrenalina, do perigo. Envolvo-me em reminiscências que nem fazem parte do meu novo ser, ressuscito temores já sufocados pelo pó, ensaio reinterpretar as dúvidas que fui abandonando tão gradativamente.

Fato é que o palco não é mais meu, a platéia não suporta mais assistir às minhas reprises. E de todos, quem menos acredita nesse papel que desempenho sou eu mesma.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Fecho os olhos para me encontrar



Na substância de que é feita o escuro, me achei. 

Depois de tantos dias sem conseguir me ouvir, cercada por um mundo de cores atordoantes, luzes e vozes, gritos e sussurros, mergulhei por acaso em um ambiente escuro e senti a paz de não mais ouvir às demandas alheias.

A porta aberta revelou escuridão densa e tão real que imaginei que poderia ser tocada; aceitei o convite e estendi meus dedos adiante não por medo dos obstáculos, e sim procurando tocar o tecido preto que me tapava a vista. Mas não havia nada lá além do meu mistério que a escuridão revelava, e a possibilidade de finalmente ouvir aos antigos chamados internos. Cuidado pra não tropeçar no entulho que acumulei em minha cabeça; tranqüilidade para arrumar todo o lugar que estava deserto de mim há tanto tempo.
Quando finalmente desisti de identificar qualquer objeto naquele espaço, quando me conformei com os véus que me tapavam a vista, é que voltei a ver [Ah, como é fácil ver quando abandono essa mania de controle... ]. 

Identifiquei silhuetas desenhadas na fraca luz depois objetos inteiros, faces, pessoas. E o escuro deixou de ser misterioso para se transformar em aconchego e paz. 

Me aninhei, ocupei confortavelmente o espaço de minhas memórias e sentimentos, mastiguei os acontecimentos e só então consegui voltar à orgia de luz, informações, afetos e à mais completa confusão que é a outra vida, aquela que acontece fora de mim.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Quebra-cabeças


Como perceber qual o momento certo, quando nossos olhos quase se cruzam, mas não se reconhecem?



Hoje, antes de dormir, pensei em você. Mas quem era esse você? Será que você existe? Não possuo ainda teu rosto definido em minha mente.
Nunca te vi, mas adivinho o som da tua risada e o tom animado e um pouco sério com que fala o meu nome. Senti o teu olhar tímido e íntimo sobre mim na primeira vez em que me chamou de menina, no tom delicado que as palavras  deixavam te entrever.

Te encontrei, hoje? Não sei. Se não te conheço, como  quase pude ver teus cabelos ondulando enquanto você corria em direção oposta à minha, saindo enquanto eu chegava? Paralisei por dois segundos e te senti ali, ainda restava o mistério da tua presença.
E essa impressão de que te conheço; mesmo não sabendo direito como se passam teus dias, qual o nome do teu primeiro amor ou o que te leva exatamente a sorrir e a chorar, quando você me conta que tais coisas aconteceram. Sinto que te conheço porque às vezes, apesar de as palavras serem a única coisa que temos, nos comunicamos para além delas.

De repente analiso cada estranho com uma dedicação obsessiva: olhos, bocas, sorrisos e cabelos, comparando-os à tua imagem guardada em minha cabeça. A cada um que não é você me vem como que um alívio: - eles são reais.